Como previsto na Nota Ascema “Para Inglês ver”, o governo brasileiro teve uma participação pífia na 26º Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26) e repleta de factóides e ausências. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enviou um vídeo, no qual mentiu para o mundo inteiro, escondendo que durante sua gestão o desmatamento alcançou níveis que não eram vistos há 12 anos. Para se ter uma ideia, somente em 2020 foram desmatados mais de 10 mil km². O chefe do Executivo ainda afirmou que “no decorrente ano, mesmo com a falta de chuva, o nível de desmatamento e de queimada caiu bastante”, o que é falso. O desmatamento na Amazônia em agosto de 2021 foi o maior em 10 anos. Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), foram desmatados 1.606 km² de florestas, neste mesmo mês.
Bolsonaro ainda disse que “o Brasil é uma potência verde, no combate à mudança do clima, sempre fomos parte da solução e não do problema”. De fato, somos uma potência verde, mas para sermos parte da solução seria necessário a retomada de políticas públicas que historicamente colocaram o país em destaque internacional do ponto de vista ambiental e a ampliação de políticas socioambientalmente responsáveis com a presente e as futuras gerações, o contrário do que vem ocorrendo principalmente nos últimos 3 anos. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que a Amazônia Legal teve uma área de 877 km² sob alerta de desmatamento, uma alta de 5% em relação a 2020 e recorde para o mês, na série histórica. Além disso, sabe-se que os dados de desmatamento geralmente são divulgados antes ou durante a COP, mas desta vez o governo deliberadamente adiou os números e mentiu na conferência internacional.
A política (anti)socioambiental do governo tem sido catastrófica e, ainda assim, o atual mandatário afirmou que a iniciativa da gestão atual “está em linha com a resposta global à mudança do clima”. Ao afirmar que está fazendo a lição de casa que se comprometeu com o mundo a respeito dos cuidados ambientais, Bolsonaro não levou em consideração que em 2021 houve um corte de 35% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente. No caso das fiscalizações, o mínimo essencial para manter o trabalho a nível satisfatório seria de R$ 110 milhões, mas o chefe do Executivo destinou apenas R$ 83 milhões neste ano. Em 2019, o valor aprovado para fiscalização havia sido de R$ 112 milhões. Em 2020, o valor caiu para R$ 80,3 milhões. No ICMBio, houve um corte de R$ 7 milhões no orçamento para 2021. O órgão é responsável por gerenciar 9,3% do território nacional e responsável por 334 unidades de conservação, incluindo as de uso sustentável com população tradicional residente, além de outras atribuições, como 14 centros de pesquisas ligadas à sociobiodiversidade nacional e a gestão de Planos de Ação Nacional (PANs) para espécies ameaçadas de extinção.
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, chefe da delegação oficial, direto do estúdio das confederações Nacionais da Indústria e da Agricultura em Brasília, demonstrou não conhecer a realidade socioambiental e as potencialidades que a sociobiodiversidade pode gerar no Brasil e na nova economia que no mundo desponta ao afirmar que reconhece que “onde existe muita floresta, também existe muita pobreza”. Este foi um comentário parecido com a leitura da ditadura militar do século passado. A verdade é que existe muita miséria quando se destroem as formas de vida de populações tradicionais e indígenas inteiras com a leitura de colonização e expropriação de meios de subsistência e de saberes. Os povos originários têm denunciado esse desrespeito às diferenças. Podemos ser mais que exportadores de minérios e madeiras, que não levam bem estar às populações que preservaram os biomas e aprendermos com eles para uma nova economia mais solidária.
A Amazônia, além de ser importantíssima para a resiliência do planeta em termos climáticos e do ciclo hidrológico, entre outros serviços ecossistêmicos, abriga uma enorme sociobiodiversidade com mais de 25 milhões de habitantes, incluindo populações tradicionais de rica cultura – como os povos indígenas – e pesquisadores que procuram produzir conhecimento – e riqueza – imensuráveis sobre essas culturas e o abundante patrimônio natural deste bioma. Devido a essas pessoas, são necessárias políticas públicas responsáveis e adequadas àquela região. Mas o governo federal tem produzido o contrário, fomentando uma lógica de desenvolvimento predatório sem ouvir os que lá habitam. O Conselho da Amazônia, por exemplo, só tem militares e ministros do executivo federal, que executam políticas equivocadas, pois creem que tudo se resolve com caras operações militares ou policiais. Isso é um retrocesso na gestão pública ambiental e na democracia.
Entre os anúncios feitos no estande brasileiro no evento, destacaram-se os compromissos de redução das emissões de gases do efeito estufa (GEEs) pela metade até 2030, com neutralidade em 2050. O governo brasileiro ainda prometeu zerar o desmatamento ilegal dois anos antes do prazo anterior,em 2028, e ainda fazer a assinatura da Declaração das Florestas e a revisão das metas de produção de metano. A questão é que por mais que esse discurso seja bonito, ele é sobretudo contraditório, principalmente quando colocado lado a lado das atitudes do governo atual sobre as questões ambientais. Prova disso, é o Projeto de Lei 3.729/2004, conhecido como Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Dentre os pontos controversos do PL, está o chamado autolicenciamento que, como o nome indica, permite com que o proponente preencha um formulário na internet e automaticamente ganhe o licenciamento ambiental.
Análises técnicas demonstram que este PL resultará no colapso hídrico e destruição da Amazônia e demais biomas. O assunto, que é debatido desde 2004 e nunca caminhou justamente por se tratar de uma livre agressão ao meio ambiente, ganhou nos últimos dois anos o pior e mais cruel contorno, fazendo com que, se aprovado, tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG) tornem-se comuns no Brasil.
Para se ter uma ideia da dimensão do desastre que se avizinha, no artigo 8º do PL é apresentada uma lista com treze tipos de empreendimentos que não precisarão mais de licenciamento para operar. Dentre as atividades impactantes, estão obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 kV; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, que figuram justamente entre os maiores responsáveis pela poluição hídrica. Para piorar o cenário, a “Lei da Não Licença e do Autolicenciamento” libera serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção, podendo abarcar ampla gama de empreendimentos de significativo impacto, de estradas à hidrelétricas.
Além disso, o discurso do ministro do MMA destacou a necessidade de regulação do mercado internacional de créditos de carbono, parte do chamado artigo 6 do Acordo de Paris, e a urgente necessidade de metas mais ambiciosas para o financiamento internacional dos países desenvolvidos à preservação ambiental. Contudo, vemos que em 2020, as emissões de gases do efeito estufa aumentaram quase 10% no Brasil, marcando o pior resultado desde 2006. Apesar da diminuição da poluição no setor de energia, devido a pandemia, o desmatamento acelerou de forma singular, a ponto de aumentar drasticamente esses números.
A World Wide Fund for Nature (WWF), uma das maiores ONGs socioambientais do mundo, concorda conosco de que o governo do Brasil “não convence” que está disposto a cumprir compromissos assumidos na COP-26, considerando suas práticas.
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Pecma (Ascema Nacional) preparou um Dossiê que prova que o governo brasileiro mentiu – e muito – para todo o planeta, que pode ser conferido aqui. Visite também nossa página ascemanacional.org.br.