A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) reforça a importância da fislcalização, combate e punição de atividades de garimpo ilegal e alerta para a desinformação acerca da situação no Rio Madeira, no Amazonas. Há mais de duas semanas, mais de 600 balsas invadiram o rio em busca de ouro. Até esta segunda-feira (29), três pessoas foram presas e 131 balsas utilizadas pelos garimpeiros foram apreendidas ou destruídas.
Para obter ouro, as balsas e dragas utilizadas pelos garimpeiros revolvem o fundo do rio, sugam o material para filtrar o ouro e devolvem a água contaminada em seguida. O processo é danoso ao meio ambiente, causando inclusive exposição das comunidades próximas à região ao mercúrio, usado no processo de garimpo.
Por ser um metal altamente tóxico, o mercúrio causa danos graves e permanentes, como falta de atenção, alterações de linguagem, na coordenação motora e formigamentos. A intoxicação por mercúrio também pode causar perda de visão, doenças cardíacas entre outras debilidades.
A Ascema Nacional lembra que as atividades de exploração mineral no Rio Madeira não estão licenciadas e são, portanto, ilegais. Os servidores ambientais ressaltam que os donos de garimpos que atuam na região ameaçaram órgãos de fiscalização ambiental, como Ibama e ICMBio, como tem se tornado praxe em casos de ilícitos ambientais. Trata-se de um reflexo do discurso pró-garimpo e, portanto, pró-crime muito difundido pelo presidente Jair Bolsonaro, que ao invés de prezar pela legalidade viola sistematicamente a lei e persegue servidores públicos que buscam fazer seu trabalho.
Um exemplo claro da perseguição a servidores ambientais foi o episódio ocorrido em junho deste ano, quando a base do ICMBio foi assaltada em Roraima, depois de uma operação de combate de garimpos ilegais localizados dentro da Estação Ecológica (Esec) de Maracá, unidade de conservação federal administrada pelo ICMBio. O ataque ocorreu dias depois de Bolsonaro ter atacado diretamente o órgão em uma live.
As dragas do Rio Madeira começaram a dispersar na sexta-feira (26), após a Polícia Federal (PF) informar que preparava uma operação contra os crimes por ele cometidos na região. Mesmo assim, parte deles, crentes na impunidade, continuaram na região. A Ascema também reforça que a atividade de fiscalização teria sido mais efetiva se os garimpeiros não tivessem sido alertados de sua iminência. O vice-presidente Hamilton Mourão chegou a dizer à imprensa que uma operação estava em “processo de planejamento” para fiscalizar a atividade no Madeira. O anúncio deu tempo suficiente para que os criminosos com mais capacidade organizassem a fuga.
A Ascema Nacional julga importante destacar que não se tratam de trabalhadores humildes quando se fala nos donos dos equipamentos. Pelo contrário, a atividade de garimpo ilegal é dominada por uma elite econômica com vastos recursos financeiros. Prova disso é o custo operacional das atividades relacionadas ao garimpo ilegal.
Somente no ano passado, a exportação de ouro no Brasil movimentou quase US$ 5 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões). Um estudo do Instituto Escolhas estima que 17% deste valor tenha origem no garimpo ilegal. Uma única balsa, como as que invadiram o Rio Madeira, tem um custo estimado de R$ 90 mil. Normalmente, o dono fica com 70% do lucro e os trabalhadores dividem os 30% que sobram.
Segundo a Polícia Federal, apenas pilotos e donos de aeronaves que fazem transporte chegam a faturar R$ 200 mil por semana. Descrito pelo MPF como o “maior fomentador da atividade garimpeira ilícita na Terra Indígena Yanomami”, Valdir José do Nascimento é dono de pelo menos três aeronaves que seriam fretadas para garimpeiros. A PF apurou com um funcionário de Nascimento que somente em uma semana iriam ser realizados mais de 20 fretes para o garimpo, segundo matéria do site Repórter Brasil. Nascimento também possuía balsas destinadas à extração de ouro e comandava uma rede de garimpeiros, fornecedores de combustível, de armas e munição, segundo a reportagem. Nascimento foi investigado na operação Xawara, a primeira do MPF a esmiuçar o garimpo na Terra Indígena Yanomami, em 2012.
Enquanto isso, os trabalhadores que atuam nas balsas são mantidos em condições insalubres, havendo relatos, inclusive, de trabalho análogo à escravidão. O garimpo ilegal, portanto, não é uma oportunidade, e sim uma forma de exploração desumana.
Além disso, já é público e notório o envolvimento de facções criminosas com o garimpo ilegal. Facções que têm como atividade principal o tráfico de drogas, como PCC, têm migrado para a atividade garimpeira.
No início deste mês, uma reportagem do jornal O Globo revelou a presença de narcotraficantes nas terras indígenas dos Yanomamis, em Roraima, e dos Mundurukus, no Pará. Segundo o jornal, “um dos primeiros indícios da chegada do crime organizado na floresta ocorreu durante a Operação Erebo da Polícia Federal, que revelou a atuação do PCC no sistema penitenciário de Roraima em 2018. Policiais interceptaram a ligação de um ‘disciplina’ da organização criminosa Sebastião Silva, o Bozo, falando sobre ‘questões relacionadas à expansão da facção para regiões de garimpo em Roraima’, conforme o relatório policial”.
“Há muito tempo estamos alertando autoridades do governo federal de que havia a incursão do crime organizado dentro das áreas garimpeiras”, disse o deputado federal Edio Lopes (PL-RR) em uma entrevista ao Correio Braziliense em maio deste ano.
Esse é mais um reflexo do discurso de Bolsonaro, que fala em legalizar o garimpo em áreas de preservação ambiental e em terras indígenas, incentivando a grilagem de terras e as atividades ilícitas nessas regiões.
Em outubro, o presidente chegou a visitar a região de garimpo ilegal na terra indígena Raposa Serra do Sol, no município de Uiramutã, em Roraima. Na ocasião, Bolsonaro defendeu a legalização do garimpo em terras indígenas. Trata-se de uma mensagem clara de apoio à criminalidade.
A Ascema Nacional repudia qualquer tentativa de legalizar atividades criminosas e danosas ao meio ambiente. Respeitar e proteger a natureza é o único meio de garantir a sobrevivência da espécie humana nos próximos anos e, além disso, deve-se ressaltar, é um compromisso internacional firmado pelo Brasil perante todo o Planeta. O discurso e a prática de órgãos de segurança pública e do governo federal devem estar alinhados.
Além disso, a Ascema Nacional ressalta a importância dos servidores ambientais do Ibama, do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente no combate a ilícitos ambientais e cobra o fim do desmonte do serviço público e a garantia de que esses servidores poderão executar seus trabalhos em condições dignas e sem riscos de repressões e perseguições por parte do governo federal.