CARTA DOS SERVIDORES DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO FEDERAIS BRASILEIRAS 

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A conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável têm sido pauta das principais discussões nacionais e internacionais relacionadas ao enfrentamento das mudanças do clima. Os desafios dessa agenda são amplamente reconhecidos em convenções internacionais, como a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. O Brasil, enquanto signatário dessas convenções, deve alinhar suas políticas e práticas com padrões globais.

O papel do poder público federal, representado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – MMA, na implementação de políticas ambientais é crucial para prevenir, mitigar e reverter problemas ambientais. Em linhas gerais, MMA formula políticas e diretrizes, enquanto os órgãos vinculados, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, executam atividades finalísticas, como a fiscalização ambiental, a prevenção e o combate a incêndios, o licenciamento ambiental, o atendimento às emergências ambientais e o apoio a ribeirinhos, extrativistas e outras comunidades tradicionais.

O ICMBio atua, prioritariamente, na execução das políticas públicas ambientais voltadas à gestão das Unidades de Conservação (UCs) federais, que são espaços territoriais específicos destinados à conservação da natureza, os quais aceitam diferentes níveis de intervenção humana, a depender de sua categoria. Ademais, atua na proteção e promoção dos modos de vida de povos e comunidades tradicionais, que habitam ou utilizam recursos do patrimônio material e imaterial das UCs, e na identificação e conservação das espécies ameaçadas de extinção da fauna e flora brasileiras.

O Brasil possui 336 UCs federais, que correspondem a 1,7 milhões de km2 e representam, aproximadamente, 9% do território no ambiente terrestre e 26,3% nos ambientes costeiro e marinho. Dentre essas UCs, estão áreas amplamente conhecidas e visitadas como os Parques Nacionais do Iguaçu (PR), da Tijuca (RJ), de Jericoacoara (CE) e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE). Os dados de uso público das UCs federais brasileiras demonstram que, só em 2022, mais de 21 milhões de pessoas visitaram esses territórios, gerando renda para estados e municípios.

A gestão das UCs federais é realizada pelos servidores do ICMBio, ocupantes da carreira de Especialista em Meio Ambiente, que também atuam em ações de fiscalização, socioambientais, manejo, licenciamento ambiental de empreendimentos que afetam UCs, e no controle de espécies exóticas e invasoras. Tais atividades exigem formação específica e o desenvolvimento de habilidades que atendam à variedade de demandas existentes.

Dentre as atribuições do ICMBio, consta também a emissão de autorizações para pesquisa científica, com registro de emissão de mais de 40.000 documentos, dentro e fora de UCs federais, que permitiram a geração de mais de um milhão de registros biológicos por pesquisadores de todo o país. Tais informações são essenciais para a gestão das UCs e o conhecimento da biodiversidade brasileira, a maior do mundo, além da tomada de decisões a respeito do manejo de fauna com vistas à conservação e para a definição da lista de espécies ameaçadas de extinção. Ademais, o ICMBio também é responsável por coordenar e implementar os Planos de Ação Nacionais para a conservação de 1054 espécies ameaçadas e de mais de 23 mil cavernas brasileiras.

Atualmente, o ICMBio conta com 1747 servidores efetivos, dos quais 1070 estão atuando diretamente nas unidades de conservação. Ou seja, em média, o Instituto dispõe de um servidor para cada 1.500 Km2, número dramaticamente baixo em vista da diversidade de atividades desempenhadas pelos servidores na gestão das UCs. Para se ter uma ideia do tamanho do déficit de pessoal, o Brasil possui, dentre todos os países do mundo, a terceira menor quantidade de funcionários por cada 1.000 km2 nas suas unidades de conservação, como se verifica pelo gráfico abaixo, retirado de um artigo científico. E mesmo dentro da realidade brasileira as UCs federais são as que mais sofrem com falta de servidores, possuindo cerca de 5 vezes menos servidores por cada 1.000 km2 do que as UCs estaduais, e mais de 150 vezes menos do que as municipais.

Gráfico do número de pessoas envolvidas na gestão das unidades de conservação em função da extensão total ocupada por essas áreas em cada país. Fonte: Appleton et al. Protected area personnel and ranger numbers are insufficient to deliver global expectations. Nature Sustainability 5, 1100–1110 (2022). https://doi.org/10.1038/s41893-022-00970-0.

Diversas unidades possuem apenas um servidor lotado e outras ainda não possuem nenhum servidor no local, o que por si só inviabiliza a gestão da UC, como é o caso da Floresta Nacional da Mata Grande, Reserva Extrativista de Recanto das Araras de Terra Ronca e Estacão Ecológica Serra Geral do Tocantins. Uma das consequências da falta de servidores é o processo gradual de desvio do pessoal de contratos temporários para funções mais qualificadas, privativas dos servidores de carreira, gerando perda na qualidade do serviço e precarização da força de trabalho. O número insuficiente de servidores somado à falta de valorização leva à sobrecarga dos servidores que, por idealismo e compromisso com a missão da Instituição, se dedicam além da sua capacidade, em condições até desumanas e sob risco intenso.

Nesse cenário, a efetivação da agenda ambiental brasileira esbarra na capacidade do Governo de instrumentalizar os órgãos ambientais para execução de suas atribuições. Fica evidente que as ações desempenhadas pelo ICMBio têm contribuído para o cumprimento das metas ambientais estipuladas pelo Brasil, internamente e em fóruns internacionais, contudo, sua continuidade depende da reestruturação e valorização da carreira dos servidores. 

Impactos da degeneração da carreira:

A despeito dos bons resultados atuais entregues pelos servidores da carreira especialista em meio ambiente, é fato que a capacidade de manutenção desses serviços está entrando em colapso. A falta de reestruturação e de valorização da carreira pode acarretar a redução ou paralisação das atividades dos órgãos federais de meio ambiente, especialmente no que diz respeito a atividades como o licenciamento e a fiscalização, levando a uma série de impactos negativos, incluindo:

  • Aumento do desmatamento e exploração ilegal nas Unidades de Conservação, acarretando riscos para a manutenção dos ecossistemas e da biodiversidade protegidas por esses territórios;
  • Redução do número de pesquisas desenvolvidas envolvendo coleta de material biológico e UCs;
  • Ameaça aos recursos hídricos, sobretudo associados a atividades industriais e agropecuárias;
  • Redução das atividades de uso público, como a visitação de Parques Nacionais e outras UCs, com impacto econômico para os municípios envolvidos;
  • Redução e atraso na emissão de autorizações para o licenciamento ambiental;
  • Comprometimento da qualidade do ar e solo;
  • Comprometimento da imagem internacional do país, em função do possível descumprimento de acordos e convenções internacionais, podendo acarretar a redução da captação internacional de recursos para o meio ambiente e a aplicação de sanções econômicas;
  • Perda de oportunidades de desenvolvimento sustentável, inclusive para as comunidades tradicionais que residem em UCs federais;
  • Aumento de áreas queimadas no interior de UCs federais, com prejuízo para a população em geral e para a biodiversidade.

Além dos prejuízos à sociedade e ao meio ambiente, a não reestruturação ou valorização da carreira de especialista em meio ambiente pode acarretar problemas de ordem administrativa, que contribuem para a decadência dessa categoria profissional e comprometem a efetividade das ações voltadas para a melhoria e manutenção da qualidade ambiental, incluindo:

  • Fuga de talentos para carreiras mais atrativas e desmotivação dos servidores, resultando na perda de conhecimento e expertise necessários para enfrentar desafios ambientais complexos – o que já está ocorrendo;
  • Redução da capacidade técnica devido à ausência de investimentos na capacitação e atualização profissional, prejudicando a eficácia na gestão ambiental e na implementação de políticas públicas;
  • Desvalorização da agenda ambiental, visto que a decadência da carreira pode transmitir a mensagem de que a preservação ambiental não é uma prioridade, minando a importância estratégica do trabalho dos especialistas em meio ambiente;
  • Comprometimento da credibilidade institucional, afetando a confiança da sociedade e de parceiros internacionais nas ações e compromissos ambientais do país;
  • Desincentivo à inovação, limitando a capacidade de adaptação a novos desafios ambientais e tecnológicos;
  • Prejuízos à imagem internacional do país, uma vez que a estagnação e consequente decadência da carreira pode afetar a reputação em acordos e convenções ambientais, e diminuindo a influência em discussões globais sobre conservação e sustentabilidade.

Portanto, investir na valorização e na reestruturação da carreira de especialista em meio ambiente é uma estratégia inteligente e fundamental para assegurar a eficácia das ações ambientais e promover um desenvolvimento sustentável. A decadência dessa carreira pode ter repercussões negativas de longo prazo para o meio ambiente e para a posição do país no cenário internacional. Assim, os servidores da Carreira de Especialista Em Meio Ambiente lotados nas Unidades de conservação apoiam a decisão do conjunto de servidores da carreira de não se voluntariarem mais e não se arriscarem mais sem o devido reconhecimento do Governo e continuarão  concentrando seus esforços exclusivamente em atividades burocráticas internas até o efetivo avanço nas negociações das demandas apresentadas.

Principais demandas dos servidores: 

  • Equiparação salarial com a Agência Nacional de Águas (ANA);
  • Redução da diferença salarial entre técnicos (nível médio) e analistas (nível superior);
  • Valorização e modernização da carreira de Especialistas em Meio Ambiente;
  • Gratificação por atividade de risco e adicional de fronteira;
  • Realização de concurso público urgente.

Baixe aqui a carta na íntegra!

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